A percepção do instante: oportunidade, escolha e gratidão.
Obs: Discurso de paraninfo pronunciado no dia 27 de julho de 2013 aos formandos do curso de Teologia do Instituto de Educação Teológica no Estado de São Paulo (IETESP).
PRÓLOGO.
Pastor e prof. Valdir dos Santos, diretor executivo do IETESP; pastora e profa. Angela Puckett, coordenadora pedagógica; caros colegas professores e demais componentes desta mesa; formandos, familiares e amigos, senhoras e senhores, boa noite.
Em primeiro lugar, agradeço a Deus por permitir-nos compartilhar este momento de alegria e gratidão. O olhar e o sorriso de vocês são mais do que suficientes para demonstrar que o trabalho que desenvolvemos juntos em sala de aula valeu apena. Além disso, valeu apena porque superamos o modelo tradicional que coloca o professor como um ser “iluminado” e superior ao aluno e investimos numa relação de amizade e reciprocidade, onde aprendemos juntos. Não só partilhamos das certezas (que alias, no campo acadêmico são poucas), mas também das dúvidas e dilemas, acreditando ser o caminho para renovar o conhecimento. Sempre partíamos do pressuposto de que não sabíamos. Portanto, tenham a certeza de que nesta relação construída em sala de aula, transformamo-nos reciprocamente.
Em segundo lugar, quero dizer que fiquei muito honrado por me escolherem como paraninfo da turma, uma das homenagens mais gratificantes que um professor pode receber em sua carreira acadêmica, especialmente por que expressa um reconhecimento simbólico daquilo que representamos na vida de cada um de vocês. E nesse sentido, tenho a certeza de que falo também como representante de meus amigos e colegas professores, pois, cada um deles se dedicou horas e horas para dar a melhor aula de suas vidas; além disso, entregaram-se sem reservas e sem receios de verem seus alunos o superarem. Como diria o poeta Guimarães Rosa, “mestre é aquele que de repente aprende”.
Além desse reconhecimento simbólico, uma espécie de “oscar” para um professor, este momento constitui-se também numa das maiores responsabilidades que se atribui à um paraninfo: poder condensar um conjunto de experiências acumuladas ao longo de 3 anos e dizer a vocês que este legado, o conhecimento e as experiências adquiridas, não devem restringir-se a sala de aula, mas multiplicar-se para além dela. Este legado deve ganhar uma dimensão prática de humildade e gratidão; deve renunciar o orgulho e a presunção de autossuficiência; renunciar o individualismo que nos impede de compartilhar e viver em comunidade e fraternidade. Sim, é justamente isso que caracteriza o teólogo como discípulo de Cristo: senso de humildade (nulidade) e aspiração para servir a comunidade (fraternidade). Sem estas duas qualidades, a tarefa do teólogo tenderia a substituir a Palavra de Deus por palavra de homens; tenderia a suprimir a gloria do Crucificado e Ressuscitado.
ATO I – O INSTANTE DA OPORTUNIDADE
Se pudesse dar um tema ao tenho a dizer para vocês, colocaria “a percepção do instante: oportunidade, escolha e gratidão”. Portanto, como está dimensão de humildade e fraternidade que apresentei como características do teólogo se manifestam na prática, no cotidiano, na dimensão da vida, das experiências? Destacarei pelo menos três modelos básicos, a saber, (1) perceber as oportunidades da vida como únicas, (2) e diante delas perceber a responsabilidade das escolhas, e por fim, (3) percebe-las como graça, um favor não merecido, pelo qual só podemos agradecer. Enfim: oportunidade, escolha e gratidão.
Quanto às oportunidades, pode-se dizer que estas são construídas na temporalidade concreta, isto é, na dimensão de nosso tempo presente e vivencial: chamarei essa fração de tempo de “instante”. O filosofo e poeta francês, Gaston Bachelard dizia que “o instante é o único momento do tempo do qual temos consciência”. Soren Kierkegaard, teólogo e filósofo dinamarquês, também dizia que “o instante é um átomo da eternidade, o primeiro reflexo da eternidade no tempo”. Ou seja, o instante é o único momento do tempo do qual somos contemporâneos de nós mesmos. Isso implica em dizer que o passado já não existe, a não ser pelos recursos da memória. Virou “história”. Não podemos mais acessa-lo e transforma-lo. E quantas oportunidades não se foram? Por outro lado, o futuro ainda não existe, pois não se realizou concretamente. Está na dimensão dos sonhos, das utopias e das esperanças.
Portanto, o único tempo que temos para experimentar a vida e perceber oportunidades como únicas, construir sonhos e esperanças, é o instante. É nesse sentido que o homem é um “ser histórico”: não apenas um "ser no mundo", mas "com o mundo". Rudolf Bultmann, teólogo e exegeta alemão, dizia que “só os homens podem ter uma existência, porque só estes são seres históricos”. Em outros termos, deixe-lhes dizer o que significa o “instante”: é valorizar cada respiro como se fosse o ultimo; é apreciar a beleza do nascer e do por do sol; é saborear, sem pressa, uma refeição; é valorizar um abraço; é olhar nos olhos e perceber a verdade de uma amizade; é dizer “te amo”.... enfim, é viver e não apenas “existir”.
O teólogo, como membro de uma comunidade confessante, deve perceber que o fundamento de sua esperança o impulsiona a viver o instante e seu limiar, o horizonte. É nesse sentido que podemos ouvir o poeta alemão, Johann Goethe dizer:
Por que vagar ao longe?Olha, o bem está tão perto!Aprende a agarrar a felicidade,Pois a felicidade está sempre a mão
Ele ainda dizia, “de bom grado suportamos tudo isso que passa; se nos restar somente o eterno de cada instante, não sofreremos pelo tempo que passa”.
ATO II – O INSTANTE DA ESCOLHA
Desse modo, o instante é potencialmente repleto de escolhas, embora nem sempre conscientes, e não atoa o chamamos de “presente”. Pierre Bourdieu, um sociólogo francês, dizia que nossas escolhas são construídas no que ele chama de “espaço dos possíveis”. Somos o que somos não de modo aleatório ou por uma determinação mecânica, mas por um conjunto de relações que estabelecemos uns com os outros. Não escolhemos nascer, não escolhemos nosso próprio nome, mas podemos escolher o que fazer com nossa vida e com nosso nome. É que chamamos de “trajetória”. Elas são perpassadas umas pelas outras, como um emaranhado de linhas que se encontram. Em sala de aula nossas trajetórias se encontraram, construindo uma relação. E como diz o antropólogo brasileiro, Eduardo Viveiros de Castro, “toda relação implica em transformação”.
É nesse “espaço dos possíveis”, onde construímos nossas trajetórias, que fazemos escolhas, muitas vezes inconscientes, mas repletas de sentidos para vida. Quantos cursos vocês poderiam optar por fazer, além da teologia? Alguns até com promissores retornos financeiros. Mas por que a teologia? Ao optar por ela, optamos por um modo de ver o mundo. E este modo de ver o mundo, não nos tornar superiores aos outros, mas nos permite vê-lo tal como ele é: carente do sagrado, sedento por Deus. Além disso, optar pela teologia significa optar por um labor, um empreendimento intelectual muitas vezes solitário. O teólogo suíço, Karl Barth dizia:
Quem se envolver com a teologia ver-se-á inevitavelmente levado desde o início e, depois, repetidas vezes a uma estranha solidão, notoriamente angustiante. O teólogo deverá, em regra, conformar-se com o fato de tratar de seu assunto em certo isolamento, não só em relação ao ‘mundo’, mas também à Igreja.
Uma crônica de Rubem Alves, poeta e teólogo brasileiro, desvela teor desta solidão, que tenho certeza, alguns de vocês já sentiram.
A minha profissão? Bem... sou teólogo. Não, o senhor não me ouviu bem. Não sou geólogo. Teólogo. Isto mesmo... Não é necessário dissimular o espanto porque eu mesmo me espanto, frequentemente. E nem esconder o sorriso. Eu compreendo. Também não é necessário pedir desculpas. Sei que sua intenção foi boa. Perguntou sobre minha profissão apenas para começar uma conversa. A viagem é longa. É fácil falar sobre profissão. Tudo teria dado certo se minha profissão fosse uma destas profissões que todo mundo conhece. Se eu tivesse dito dentista, médico, mecânico, agente funerário já estaríamos a meio a um animado bate-papo. Da profissão passaríamos a crise econômica, da crise econômica saltaríamos para a política e o mundo seria nosso. O teólogo fala como quem acredita. Mas é isto que ficou proibido: acreditar. Daí a vergonha e o estigma. Como é possível que o levem a sério?... Daí seu silêncio, a solidão...
ATO III – O INSTANTE DA GRATIDÃO
Por sua vez, as oportunidades e as escolhas nos levam ao reconhecimento e gratidão. Um dos teólogos mais importantes do século XVIII, Friedrich Schleiermacher, costumava definir a fé como “sentimento de dependência absoluta”, isto é, uma sensação de nulidade diante do sagrado; uma sensação de finitude e de “ser nada”, a não ser “pó e cinza”, como bem lembra Rudolf Otto acerca da experiência de Abraão. Trata-se do reconhecimento de que todas as nossas conquistas, nas mais diversas áreas, não seriam possíveis sem uma rede de dependência: Deus, família, amigos, etc...Portanto, nada mais justo que reconhecer que por trás de todas as vossas atividades e conquistas, havia uma mãe, um pai, um filho, um irmão, um amigo, uma comunidade, uma igreja, torcendo para que vocês não desistissem, torcendo para que valesse apena cada folego investido.
E de fato, foram estas pessoas que fizeram com que vocês superassem cada obstáculo. Quantas vezes vocês não pensaram em desistir, seja por questões financeiras ou de outra ordem? Quantas vezes vocês não tiveram que deixar temporariamente o conforto de vossos lares e aconchego de vossas famílias para ficar numa sala de aula, as vezes com sono e cansado, depois de uma jornada de trabalho? Quantas preocupações não lhes vieram diante das tarefas escolares, como por exemplo, relatórios de leituras, pesquisas e trabalhos exigidos por professores, e diante da tão “temida” prova? Mas, apesar de todos estes obstáculos, encontraram forças e apoio para continuar e hoje pode dizer “como valeu apena”.
EPÍLOGO
Por fim, após apresentar as características do teólogo como discípulo de Cristo (humildade e serviço à comunidade), e demonstrar como elas se manifestam no cotidiano pelas oportunidades, pelas escolhas e gratidão, concluo apresentando as tarefa primordial: Eis, portanto, o seu papel: falar da revelação de Deus e sua relação com o homem, mas sem orgulhar-se da pretensão de quem julga saber tudo e está apto a condenar os que discordam de sua posição, como se fossem um “especialista em Deus”. Muito embora sua "ciência" tenha uma pretensão totalizante (Deus e o universo!), sua postura deve ser humilde e de alguém sempre apto a propor diálogos. Nesse sentido, Jesus diria, “não fostes vós que me escolhestes, mas eu vos escolhi e vos nomeie para que vades de deis frutos, afim de que vosso fruto permaneça”.Eis o instante das oportunidades, das escolhas e da gratidão...
Obrigado.
Fonte: http://professorteles.blogspot.com.br/2013/07/a-percepcao-do-instante-oportunidade.html